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Deus acima de tudo: exceto de um bom coração progressista

Há algo de muito errado com a religião e com os religiosos quando um Papa incomoda tanto pelo simples motivo de levar a vida mais de acordo com os ensinamentos de Jesus Cristo

Editorial de 23 de abril de 2025

A cena é absurda, mas real: cristãos comemorando a morte do papa. Sim, você leu certo. Gente com o famigerado e hipócrita lema “Deus acima de tudo” na bio do Instagram, e o terço no retrovisor do carro, soltando foguetes porque o sucessor de Pedro foi, enfim, “dessa pra melhor”. Não que todos desejassem o inverso do céu para ele, veja bem — era mais uma espécie de “vá com Deus... e não volte”. E por quê? Por que tanto ódio? Aqui, nós do sarcastiCOtidiano, lhe pedimos com seriedade para que não ria, pois o caso é sério, apesar de realmente parecer galhofa: o motivo era porque Francisco, para esse pessoal, era “comunista”. Claro. O velho bordão. E não importa que ninguém ali saiba exatamente o que é comunismo. O que importa é que algum influencer de voz forçadamente irritada e camisa polo disse que o papa era comunista — e aí, meu amigo, virou verdade; e amém.

Desde que apareceu naquela sacada simples do Vaticano em 2013, Jorge Mario Bergoglio incomodou. Não vestia os tronos dourados com a pompa esperada, dispensava os salamaleques e sorria mais para faxineiros do que para presidentes. Não apenas vivia com humildade: pregava-a por meio dos próprios gestos carismáticos. Mas o incômodo não era só estético. Era principal e especialmente político. Francisco ousou fazer algo perigoso: lembrar que o cristianismo não é sobre punir, excluir ou julgar os demais — é, sim, sobre acolher, perdoar, transformar. E isso pegou muito mal entre aqueles mais ortodoxos perturbados que já haviam transformado a fé em sigla partidária.


Por que tanto ódio? (...) O motivo era porque Francisco, para esse pessoal, era “comunista”. Claro. O velho bordão. E não importa que ninguém ali saiba exatamente o que é comunismo. O que importa é que algum influencer de voz forçadamente irritada e camisa polo disse que o papa era comunista — e aí, meu amigo, virou verdade; e amém.

Seu pontificado virou alvo desde cedo. “Ele quer acabar com os valores da família!”, bradavam, mesmo quando tudo o que ele fazia era sugerir que talvez, só talvez, fosse possível conversar com pessoas LGBT+ sem exorcizá-las com óleo ungido e comentários passivo-agressivos, ou simplesmente decretá-los ao fetiche do fogo eterno do inferno. “Ele quer estatizar a Igreja!”, gritaram outros, ao vê-lo dizer que a desigualdade não era vontade divina, mas fruto de sistemas econômicos desumanos, como o capitalismo predatório (mexer com o dito capitalismo, ou melhor, apenar propor uma lúcida reflexão acerca dele, para o Deus desse pessoal, é uma afronta mais que inaceitável). Bastou ele afirmar que “essa economia mata” para que a militância liberal cristã — um oxímoro ambulante — sacasse seus crucifixos como quem puxa uma espada contra o dragão vermelho do Foro de São Paulo. O papa virou, para esse grupo, um Che Guevara de batina. Sem nunca ter pegado em armas — só em evangelhos. E que ironia: os fãs das mesmas armas sempre foram, justamente, aqueles que mais o odiavam!

A coisa ficou pior quando Francisco começou a falar demais. E, convenhamos, falava muito bem. Denunciava abusos sexuais na Igreja, criticava o clericalismo, pedia perdão por omissões históricas, dizia que padres deveriam ser humildes e viver como e para os pobres. Um escândalo! “Imagina, um papa pedindo perdão! Onde já se viu? Isso enfraquece a Igreja!”, diziam os mesmos que se ajoelham diante de políticos que nunca reconheceram um único erro — muito pelo contrário, vivem da arte de terceirizá-los, recebendo de sua plateia os aplausos mais entusiasmados.

Mas o verdadeiro estopim do ódio ao papa foi, ironicamente, sua fidelidade ao evangelho. Quando líderes autoritários surgiram pelo mundo com discursos de exclusão, xenofobia e moralismo barato, Francisco foi uma das poucas vozes religiosas de peso a dizer: “ei, isso não é cristianismo, é oportunismo”. Quando se separavam crianças de pais migrantes em jaulas nos Estados Unidos, durante o primeiro mandato de Donald Trump, por exemplo, ele não se calava. Quando o Brasil avançava sobre terras indígenas com a ungida bênção da terrível “bancadas da oração”, ele denunciava. Quando os ricos acumulavam cada vez mais capital, enquanto os pobres morriam sem leito, ele chamava isso de pecado estrutural do sistema. E aí pronto: o papa virou “inimigo da liberdade”. Mas de qual liberdade, exatamente? A de oprimir em nome da fé? A de lucrar com o sofrimento alheio? A de transformar religião em palanque e máscara para falhas irrecuperáveis de um caráter putrefato?


A morte de Francisco não foi só o fim de um pontificado. Foi o gatilho para uma avalanche de hipocrisia: o velório virou festa entre os que sempre confundiram fé com fanatismo, e religião com retórica de palanque. Gente que se diz “contra o aborto”, mas vibra com chacinas nas favelas. Gente que prega a “defesa da vida”, mas acha normal crianças morrerem de fome (...).

O mais surreal é ver gente que se diz cristã atacá-lo com a fúria de um inquisidor de Twitter. “Esse papa nunca me representou”, repetiam, como se a Igreja fosse uma democracia de likes e não uma instituição gigantesca com mais de dois mil anos, queiram ou não, com influência social e política. “Ele quer transformar o Vaticano numa ONG”, diziam, incomodados, porque ele preferia lavar os pés de imigrantes a aparecer em selfies com bilionários. Muitos dos que o atacavam não queriam um papa — queriam um mascote ideológico. Um líder que condenasse os inimigos certos, abençoasse os aliados estratégicos e ficasse calado diante do genocídio de pobres, desde que feito sob pretexto de “ordem e progresso”, lema gravado numa certa bandeira verde-amarela usurpada por uma parcela fascistoide de falsos brasileiros, que todos nós já conhecemos muito bem.

A morte de Francisco não foi só o fim de um pontificado. Foi o gatilho para uma avalanche de hipocrisia: o velório virou festa entre os que sempre confundiram fé com fanatismo, e religião com retórica de palanque. Gente que se diz “contra o aborto”, mas vibra com chacinas nas favelas. Gente que prega a “defesa da vida”, mas acha normal crianças morrerem de fome, desde que suas famílias votem “certo”. Gente que acha que Jesus voltaria armado, de colete à prova de balas, para expulsar “vagabundo” do templo ou da periferia — e não para abraçar a prostituta, perdoar o ladrão e questionar pacificamente os vendilhões da fé.

No fim das contas, Francisco pagou o preço por ser um cristão num mundo de cristãos de fachada. Sua vida foi uma lembrança incômoda de que o verdadeiro evangelho não cabe em slogan de campanha. E sua morte, um espelho cruel que expôs o quanto a religião foi sequestrada por interesses que têm muito mais de projeto de poder e quase nada de intenções de amor.​

A duríssima conclusão é a de que o mais popular dos papas (admirado profundamente até por não-religiosos e ateus), Francisco, não foi odiado apesar de ser cristão. Foi odiado porque era cristão de verdade. E isso, hoje, parece imperdoável.



 
 

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